quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O drama das famílias dos viciados em crack

Famílias bem constituídas também estão sujeitas aos flagelos da droga

O crack não degrada apenas os usuários, atinge com fúria também familiares, que viram codependentes do vício. Da mesma maneira que relações problemáticas em casa podem motivar um refúgio nas drogas, famílias bem constituídas, que se imaginavam distantes dessa realidade, estão sujeitas aos flagelos da droga.

Conheça as histórias:
"Meu filho trocou até as bonecas das filhas por crack"
"É muito triste para uma mãe ter de recolher o corpo de um filho, mas, apesar da dor, sinto alívio."

Sob o domínio do crack, muitos viciados arrastam seus dramas para dentro de casa e acabam levando familiares a uma codependência emocional. Sentindo-se culpados, pais, mães e irmãos passam a aceitar ações violentas e a viver em permanente alerta, condicionando seu estado de espírito ao do usuário da droga. O superenvolvimento com a dependência mascara a visualização de soluções e, não raro, parentes se sujeitam a atos extremos, como acertar dívidas com traficantes, por medo da morte.

– Eu adoeci mais do que o meu filho. Fiquei completamente fora de controle, só gritava com todo mundo. Pegava meu carro, ia atrás dele de madrugada, brigava com traficantes. Cometi muita loucura – admite a caxiense Marcela (nome fictício), 37 anos, mãe de um jovem de 17 anos que começou a usar crack aos 13.


– Foi uma luta muito grande eu enxergar o problema. Podia acontecer com todo mundo, menos com a gente. Hoje vejo que meu filho pode ter buscado a droga porque eu não dei atenção nem limites dentro de casa – conclui Marcela.

A história dessa mãe exemplifica bem o drama vivenciado por muitas famílias de classe média e aparentemente bem estruturadas e imunes ao crack. No início dos anos 1990, quando o consumo explodiu, era um vício exclusivo de pobres e moradores de rua. Nos últimos tempos, entretanto, a pedra tem subido degraus na escala social e espalhado seus sinais devastadores por toda parte. Católica praticante, Marcela é casada, tem uma renda estável e os três filhos estudam em escola particular.

– Tínhamos uma vida tranquila e, de repente, traficantes chegavam na minha casa armados para cobrar dívidas do meu filho. Por medo, e também vergonha dos vizinhos, eu pagava. Dizia que não haveria próxima vez, mas sempre tinha – conta.

Ana (nome fictício), 65, é outra caxiense de classe média que passou por uma situação semelhante. Há 18 anos ela luta contra o vício do filho, de 33.

– Estive duas vezes em bocas (pontos de tráfico) para pagar débitos do meu filho, com medo de que fosse morto. Acho que meu erro foi não impor regras, acreditar demais nas melhoras dele de 24 horas – reconhece.

Marcela, o marido e os dois filhos menores vivenciaram o mundo do crack por três anos. A mãe bancava pelo menos R$ 2 mil por mês para que o filho mantivesse o vício sem precisar recorrer ao crime nas crises de abstinência. Mas, a certa altura, esse valor já não custeava as necessidades dele e o guri começou a prestar serviços a um traficante.

– A maior parte do dinheiro que eu precisava, conseguia em rolos com droga, vendendo, ajudando a fazer. Virava a noite vendendo e usando, só parava quando o corpo já não aguentava – conta o rapaz.

Ano passado, o jovem foi internado em uma fazenda terapêutica e, apesar das diversas tentativas de fuga, concluiu o tratamento há três meses. Agora o medo são as recaídas, já que os pontos de venda de crack continuam lá, pertinho de casa.– Pra mim, um dia de paz já é muita coisa. Só consigo ficar tranquila quando ele está internado – conta Ana.

Nas clínicas e fazendas, quando um usuário é internado, a família é convocada a participar de grupos de terapia. Pais, mães, irmãos são tratados como pacientes.

– Quando chegam para tratamento, os dependentes químicos estão altamente desestruturados e os pontos de apoio, como a família, estão muito frágeis – analisa o psiquiatra Celso Luís Cattani, especialista em dependência química.


O problema é que o crack provoca um desgaste tão grande nas relações que muitos parentes até iniciam, mas não dão andamento nos grupos. Segundo profissionais experientes da área, o que muitos querem é se livrar do transtorno. A internação do viciado em crack é encarada como um alívio.

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